Viva nossa casa viva!

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Ia acordando culpadíssima de um cochilo no começo da tarde - estes que a gente dá de forma cronometrada e fica sem saber se serviu ou se só piorou a situação  - e ganhei de presente dos algoritmos, assim que desbloqueei a tela do telefone, a foto do quarto cheio de vida dos filhos de uma amiga minha. Não era uma bagunça, era a vida real, desordenada, cheia, cíclica, viva, honesta de uma mãe com três filhos. Na legenda, ela enaltecia a chance de ter a presença deles ali, firme e forte, mesmo quando estavam na escola. Me senti abraçada, porque alguns minutos antes tinha sofrido ao fechar os olhos diante de um quarto cheio de coisas fora do lugar, e me lembrei do meu pequetito, que antes do almoço tinha se irritado comigo, com minha tentativa de pôr ordem na casa, e tinha tentado em vão recuperar o brinquedo que estava na minha mão dizendo: "não guarda a minha ideia, mãe." Na hora eu não ouvi direito. Estava determinada a liberar a mesa para que a gente pudesse almoçar, e enfiei a ideia dele dentro do armário.

Não suportaria viver na bagunça, claro, mas estou desconfiada de que estou avaliando meu entorno com padrões inapropriados - os padrões sem filhos, sem imprevistos, cheios de filtros e de cortes que a gente não vê. São esses padrões, e não a pilha de desenhos e o jacaré feito de massinha, que estão me deixando angustiada. Eu andei assistindo tutoriais para deixar a casa mais arrumada (sim, ajudou, obrigada!), mas acho agora que eles têm efeito parecido com o daqueles feitos para deixar a gente mais calma, pra praticar meditação, mindfulness, pra render mais no trabalho, pra incrementar o almoço, pra harmonizar bem o vinho com o jantar dos seus convidados. Tudo utilíssimo e muito certeiro, se não fosse todo o resto. Se aqui, ao meu lado, não estivessem personagens reais, vivíssimos, amadíssimos, diga-se de passagem, e não previstos pela galera do Youtube.

Estamos nos preparando para melhorar o quarto dos meninos, pra deixar pra trás a cama pequetita do pequetito, para investir numa mesa decente pro menino que já escreve, pra colocar uns quadros na parede, dar uma caprichada boa. Ontem, o menino chegou da escola dizendo que ia levar pro quarto dele uma mesa de plástico velha, rachada, manca, manchada, porque ele quer fazer dever de casa lá, e que ia também fazer uma placa para colocar na porta pra gente não entrar enquanto ele estivesse estudando… Sorri por dentro e disse "sim, claro", e comecei minha lista de interferências: lembrei que a mesa nova está chegando, "vamos jogar essa fora quando ela chegar, tá?", sugeri fazer a tal placa no capricho, com um ganchinho pra pendurar na maçaneta, e pensei até numa moldura, porque como ele vai colar na porta? "Com fita adesiva, mãe". "Mas você vai tirar e colocar toda hora?" "Toda hora que eu estiver estudando". Ah, sim… "Mas o quarto novo vai ficar tão lindo, a gente pode fazer uma placa mais dura, de uma cor que combine com a tinta nova..." "Mãe", ele me interrompeu firme e serenamente: "pode pintar a parede, mas vou continuar fazendo a minha placa, tá? Pra enfeitar a nossa casa..."

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