Nossas meninas, nossos meninos...

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Eu sempre quis ter uma menina. Lá na minha adolescência, quando eu via a maternidade como uma possibilidade longe, muito longe, me passava pela cabeça, de relance, uma menina de cabelo comprido, como o meu, e eu achava que ia ficar horas elaborando penteados, e ia curtir com ela as bonecas, e depois, mais tarde, ser muito cúmplice quando ela começasse a se interessar pelos meninos. Era essa a rasa representação de menina que eu tinha na cabeça, com 15 ou talvez até 18 anos. Hoje penso que a minha suposta vontade de ter uma menina era consequência direta do que me foi apresentado na minha infância: o que eu conhecia era esse universo, o "universo das meninas", o "jeito das meninas", e estar fora dele me dava medo.

Quando a moça do ultrassom me disse sorrindo "é um menino!", eu senti uma pontada no estômago e retruquei: "tem certeza?" Ela: "absoluta!" E o menino me virou de cabeça pra baixo. Me fez crescer um ano por mês, e me matou de amor. Me arrebatou. Três anos depois, de novo, "é menino!". Um novo amor, outro mergulho intenso, outro mundo novo pra mim. Mas a menina ainda me vem à cabeça, vez ou outra. Só que agora penso não no cabelo, mas na riqueza que seria pra mim cuidar de uma mulher, ver uma mulher nascer, crescer, se formar. Acredito imensamente em oportunidades, potencialidades, capacidades iguais entre meninos e meninas, e não estou sugerindo que o modelo de criação (o que é um "modelo de criação"?) seria diferente, não, mas eu sei que os desafios são outros, sei que o mundo impõe ainda, e provavelmente por muito tempo, uma abordagem diferente. Fico pensando no quanto eu seria uma pessoa melhor se pudesse contribuir para que uma menina chegasse aos 15 anos mais ciente do que é ser mulher.

Aí, hoje de manhã cedo, meu menino, 6 anos, passou por mim como um foguete e deitou amuado no sofá. "Bom dia!" "Desculpa, mãe, mas eu não comprei um presente pra você..." "Presente? Mas por que presente?" Alguém tinha falado com ele, de um jeito torto, sobre o dia da mulher. Eu expliquei que não é pra isso que serve a data. Disse que o importante é outra coisa: é a gente lembrar daquela nossa conversa de sempre, que mulheres e homens têm os mesmos direitos, as mesmas capacidades… "A gente tem corpo diferente, mas pode fazer as mesmas coisas, não é? Eu sei. Eu e as meninas da minha sala… Tudo o que a minha cabeça faz, a delas pode fazer também!" Exato! "E acho que a gente também tem os mesmos superpoderes, sabia, mãe?" Eu sorri, assenti, falei sobre o quanto as mulheres são importantes pro mundo, e ele retrucou apontando o dedo pra aquela que ele acha que é a mais importante no momento. Depois fez uma lista que incluía a avó, uma tia, outra tia, a professora ("sem ela eu nem ia saber nada") e me deu um beijo. E ainda diz que não tem presente pra mim...

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