O México, o Japão, o mundo inteiro

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Aconteceu no meio das férias, derrubando de cara todas as minhas expectativas pra esse momento. Nunca achei que seria de uma hora pra outra, é claro, mas pensei que um dia a gente estaria voltando da escola quando ele me contaria sobre um ou outro exercício diferente, me diria que aprendeu alguma coisa nova, me daria um exemplo, e esticaria os olhos pra um letreiro qualquer pra mostrar que era coisa séria. Mas é janeiro, não teve aula nem hoje, nem ontem, nem na semana passada, o que só traz mais poesia pra história que eu vou contar. Ia chegando a hora de dormir, escovamos os dentes, escolhemos o livro, deitamos e ele me informou: hoje eu que vou ler. Ele já tinha feito algumas investidas, lia duas ou três palavras juntas, alguns fonemas mais conhecidos, o nome completo, o nome do irmão, o personagem favorito. Mas naquela noite deste doce janeiro ele me contou, lenta e decididamente, a história do Atum, o gato que, em suas sete vidas, viveu em sete países diferentes.

Abriu o livro, leu a primeira frase, escorregou nos quês, nos agás, nos ditongos, nos tils e em outras delicadezas da nossa língua, mas leu a página inteira, sem parar. Sorriu, seguiu adiante, entendeu que o gato ia viajar por vários continentes, anunciou que a primeira parada seria no México, onde tem abacate salgado e a Frida, e contou que na Turquia o céu fica cheio de balões. Depois chegou no Japão, a terra dos Samurais, e lá pelas tantas interrompeu: “mãe, eu tô tão feliz que nem consigo mais ler! Tenho vontade de chorar de alegria”. Não chorou exatamente, mas recebeu meu abraço, entendeu o tamanho do que se passava e depois me contou que foi aprendendo aos pouquinhos com a professora e os amigos da escola, mas que não sabia porque tinha escolhido aquele momento pra ler. “São assim os grandes aprendizados da vida”, eu disse, enquanto tentava acalmá-lo pra dormir. De repente, a gente vê que aprendeu.

Agora todas as placas, rótulos e cartazes ganharam uma luz nova, tudo pode fazer os olhos brilharem. Tem alegria no vidro de azeite, no saco de biscoito, na lista de supermercado que eu faço toda semana. Tem dúvida e curiosidade nos títulos que ficam na minha cabeceira, nos envelopes que chegam do correio, nos adesivos dos carros parados na rua. E eu tenho certeza: ali naquelas páginas nas mãos dele, estão todas as possibilidades do mundo. Agora mesmo, nestes dias de férias, cá estamos nós, de país em país, sentadinhos na beirada da cama.“Eu vou com o Atum até pro Egito, sabia?”, ele perguntou no dia seguinte à grande descoberta, depois de dizer que estava “doido pra voltar pra história, pra viajar mais”. Entendeu exatamente pra quê serve um livro. Deu sentido a cada uma das vezes em que eu sentei no chão pra ler uma história e me encheu de esperanças.

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