Mamãe, você é linda!

parents-sons-babies-parents-love-mother-son-love.jpg

Eu ia andando sozinha pela rua quando vi uma mulher vindo na minha direção, ao lado de um menino um pouco mais velho que o meu. Ele tinha aquele andar largado, os braços longos soltos do lado do corpo, daquele jeito que denuncia a pré-adolescência. Devia ter uns 10 anos. Quando chegaram mais perto, vi que o clima entre eles era de uma leve discórdia, e ouvi ela dizer: "estou enorme de gorda!"; "Não está", ele rebateu com firmeza, e ela disse: "estou, horrorosa!"; "Não está, manhêêêê", ele disse no exato momento em que nos cruzamos, esticando a palavra como fazem os meninos contrariados, deixando pra trás aquela aparente indiferença adolescente. Eu até olhei de novo, pra conferir o que eu já tinha visto, e não tinha dúvida: ela não estava nem gorda, muito menos horrorosa.

É bem verdade que a moça que passou por mim não era uma daquelas criaturas fantásticas que exibem "o corpo de volta em X semanas", seja lá o que isso quer dizer, mas quem é, não é? Não conheço muitas. A moça que passou por mim se parece comigo, com a minha vizinha e talvez se pareça com você, não sei, e eu imagino, naturalmente, o que a levou a dizer aquilo pro próprio filho. Ela é vítima desse mundo, sofre com isso tudo, é claro, mas o que me passa pela cabeça agora é que somos nós - eu, você e ela - que temos a chance de reconstruir isso, e, quem sabe, diminuir a nossa necessidade - e a das nossas filhas e filhos - de dizer (ou sentir) algo parecido.

Desde que meus filhos nasceram, lá se vão sete anos, observo a relação deles com meu corpo (aliás, com corpos de uma forma geral). Aqui em casa, eles veem tudo, pelos melhores e pelos piores ângulos. Eles encostam, deitam, cheiram e abraçam e, embora eu tenha engordado em 2018 um tanto suficiente pra me incomodar, não vejo neles qualquer sinal de insatisfação. Eles até comparam, dizem que fulano ou ciclano tem barriga maior, bumbum menor, peito assim ou assado, mas dizem isso como falam da cor do cabelo, mais ou menos castanho, ou daquele sapato, que tem o salto mais alto que o da tia - mas eles acham que está tudo bem. "Mamãe, você é uma linda", é uma das frases comuns das nossas noites típicas, e isso não é porque faço parte do grupo das que esbarram nos 40 sem rugas e nem porque eu escondo a celulite, mas porque eles (ainda) têm olhos pra ver o que de fato interessa.

Aquela moça estava falando com um menino - o que pode contribuir significativamente para construir nele uma noção idealizada, rasa e cruel da beleza feminina e também da masculina. E eu, que não tenho filha, fico imaginando o estrago que faz na cabeça de uma menina ficar ouvindo da mulher que ela mais ama - e acha linda! - que aquela beleza é insuficiente, inadequada, que, aliás, aquilo que ela acha bonito, na verdade, não é. Por quanto tempo pode resistir a autoestima de uma criança, de uma mulher, diante de uma pressão dessas? A pressão vem de todos os lados, infelizmente, mas se tem algo que a gente pode fazer pra atenuar isso é olhar mais a fundo pro espelho, não é? Com boa vontade, pode ser que a gente (ainda) consiga ver exatamente o que os nossos filhos veem.

Leia também: