Por que ela não sabe conversar?

Ryan McGuire/Gratiosgraphy

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“Mas ela não sabe conversar”, argumentava a mãe, quase gritando, inconformada, de olhos marejados, na porta de entrada do salão onde os estudantes aprovados para iniciar seu curso superior em uma universidade federal deveriam entrar, sozinhos, para fazer matrícula. A menina, de 17 ou 18 anos, fez a prova sozinha, respondeu com êxito uma longa lista de perguntas sobre português, física, matemática, geografia, química… e, claro, também deverá frequentar as aulas sozinha, mas, aos olhos da mãe, não sabe conversar. Pode ser que ela não tenha desenvolvido essa habilidade de fato, ou pode ser que a mãe não reconheça sua autonomia. Tanto faz - são, mãe e filha, símbolo de uma geração inteira, que investe em conhecimento, de inegável importância, e que protege, e protege tanto, que por vezes protege até de suas próprias potencialidades.

Já contei da desafiadora luta do meu caçula pra cuidar sozinho da sua alimentação, o que ele faz inclusive verbalmente, se preciso for. Conversa, com as ferramentas quase monossilábicas que tem. Já o mais velho sorri, orgulhoso, sempre que vai comprar pipoca sozinho. Eu observo a um metro de distância, e ele volta comemorando porque sabe conversar: pediu a pipoca, explicou que queria com queijinho, “só um pouco, moço”, e pagou, explicando que não tem troco. E o que a pipoca de um menino de 4 anos tem a ver com a matrícula na faculdade? A pipoca, pra ele, não é só pipoca: é uma experiência social completa.

A adolescência é um desafio à parte, eu sei, e é possível que uma pessoa tenha mesmo mais ou menos traquejo social e habilidade retórica do que outras. Mas a busca por autonomia é intrínseca ao ser humano. Nasce quase que junto com a criança e fica clara, absolutamente clara, já nos primeiros anos. Basta olhar. Daí concluo que, se uma menina inteligente e saudável chega aos 18 anos incapaz de se explicar, de apresentar seus documentos, justificar uma ou outra questão, enfim, conversar a respeito de seu futuro, é porque não desenvolveu seu potencial natural. Vendo a cena, imaginei que é muito provável que a mãe - e o pai, que estava ali na retaguarda - tenha querido, como todas, dar o melhor pra filha e tenha se enrolado no caminho. É possível que, com medo da rispidez do pipoqueiro, do chão escorregadio, ou ainda com pena porque a menina está cansada, ela tenha lhe entregado a pipoca na mão vida a fora.

O que de fato houve com aquela família não é o ponto principal. Eles não eram os únicos incomodados com os procedimentos da universidade (o mesmo modelo adotado desde que eles mesmos entraram na faculdade). “Eles vão sozinhos!?” E eu ficava pensando: “não é assim a vida? Não é pra isso que cuidamos deles?” Voltando lá na determinação de um bebê pra andar e comer por conta própria, apesar dos tombos e da bagunça, dá pra ter certeza: a falta de autonomia não é natural. É fruto de escolhas, de caminhos, de cenários que criamos. De defesas, talvez. Dá pra entender. Mas a mais eficiente maneira de criar um adolescente/adulto autônomo, seguro, é potencializar esse traço desde criança. É fazer com que ele cresça assim.

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