O exemplo vem de onde?

Leeroy/Stocksnap

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Em frente ao meu prédio tem uma escola infantil. Outro dia, enquanto esperava pra sair da garagem, fiquei observando um rapaz chegando com duas crianças. Na urgência de dar aos seus filhos (ou sobrinhos, ou afilhados, não sei…) a dose de educação institucional do dia, ele parou o carro em cima da faixa de travessia de pedestres, do lado da rua onde é proibido estacionar. E, dentro do carro, uma criança de uns 8 anos segurava, no colo, outra de 1 ou 2. Nada de cadeirinha, nenhuma preocupação com as regras de trânsito e nem com os direitos  dos outros. Ele fez o que julgava que tinha que fazer: parou o carro e resolveu seu problema. 

E antes fosse um caso isolado. Considerada a mensalidade, posso concluir que a escola dos meus filhos não é frequentada por pais sem instrução ou sem condições de se instruir. Ainda assim, cinco minutos de observação são suficientes para flagrar não um, mas dezenas de casos de desrespeito - desrespeito ao trânsito e ao próximo. Tem carro em cima da faixa elevada para travessia, tem carro parado na esquina, tem carro parado em cima da calçada e em cima da faixa zebrada, apesar de existirem vagas regulares a poucos metros. Já vi carro dar ré sobre a faixa de pedestres, não dando a um pai que atravessava com um bebê no colo outra alternativa senão parar no meio da rua. Tudo porque todo mundo tem uma justificativa "indiscutível" para parar muito perto da porta. Em frente, de preferência. 

Na entrada do show do Palavra Cantada, não faz muito tempo, precisei explicar ao meu filho porque algumas pessoas chegavam e entravam na nossa frente na fila, e não atrás. ”É que a moça tá guardando lugar”, eu disse. E pensei: “funciona assim, meu filho. Essa moça não saiu de casa cedo, como nós, nem chegou aqui antes da gente, mas ela tem uma amiga bacana que está dando um jeitinho. Sabe, o jeitinho? Elas estão dando um jeitinho porque, apesar de todos aqui sermos iguais, elas julgam que os motivos delas são mais fortes e que os filhos delas merecem mais um lugar legal que os filhos dos outros. É o chamado salve-se quem puder!” E o salve-se quem puder, que fique claro, não é em uma competição por um prato de comida ou um lugar na fila do SUS. É na fila de um evento cultural, num teatro enorme, onde tem lugar pra todo mundo que comprou ingresso. 

A ética que permite esse comportamento durante um programa cultural com os filhos é a mesma que deixa nossas praças e parques imundos no final de uma manhã de sol. "Chegou agora? Ah, sinto muito, tá sujo, porque meu filho já brincou como quis! Já chupamos picolé, já desembrulhamos bala e já tomamos suco da caixinha... Só não lembramos de jogar o lixo no lixo."

E aí, cá com meus botōes, fico pensando até que hora vou conseguir argumentar com meus filhos... Como é que eu vou fazer? Por quanto tempo a teoria que a gente tanto ensina terá força diante de uma prática viciada? Por quanto tempo resistem as convicções e boas intenções de uma criança se não é isso que ela vê quando olha pros lados? Dias atrás, enquanto eu tentava preparar sozinha meus dois meninos pra dormir, eu disse, naturalmente, para o primogênito. “Pronto, já tá cheiroso. Agora curte o banho um pouquinho que eu vou trocar a fralda do seu irmão e já volto.” E ele, firme, respondeu: “não posso, mamãe, vai gastar água. Melhor eu ir com você.” Eu morri de vergonha e desliguei o chuveiro. 

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