Larissa não vai voltar

Jordan Whitt/StockSnap

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4h da madrugada, Caio quer mamar de novo. Já são cinco meses de sono interrompido, banho corrido e xixi atrasado, só que agora Larissa está sozinha. Não, não era esse o combinado, mas Fernando tem outro filho, e o outro filho tem uma mãe, e essa mãe está com sintomas do Covid. Fernando não pode pegar Caio, porque pegou o outro menino, e o menino esteve no colo de outra mulher. Larissa, que precisa cuidar da família, senta na cama de casal vazia e tira o sutiã. Caio não conhece vírus, não se importa com o relógio, e mama como se não houvesse amanhã. Mas há. Às 6h ele acorda de novo, quer mamar mais, mas tem a fralda cheia e berra enquanto Larissa troca e passa algodão. Berra como se não mamasse há dois dias. Ela faz a troca o mais rápido que pode, mas o pediatra pediu pra não esquecer da pomada, se não assa, e Caio chora mais. Só para, com o body desabotoado dada a urgência, quando abocanha o seio esquerdo de Larissa, que só agora encaixa a almofada atrás das costas.


Esta semana, a última de maio, Larissa ia iniciar a adaptação de Caio na creche, e ela seria metade culpa e metade entusiasmo, porque era agora que ela ia retomar a carreira. Agora é que fariam sentido todas as noites e fins de semana dedicados à especialização, agora ela poderia mostrar de fato a que veio. Estava tudo combinado, e ela pensa muito positivo, é claro que Caio ia, de um jeito ou de outro, se adaptar. Cada um desses minutos desses mais de 150 dias têm sido lindos, e ela faria tudo de novo, e não há nada mais doce do que o rostinho dele, mas ela precisa trabalhar. Precisa e quer, porque ela é feita de muitas coisas, e o céu é o limite, é o que sempre disseram.


Agora, não dizem muita coisa. Não tem jeito de retomar, isso está claro, embora Larissa, e Fernando, e a mãe dela, e todas as amigas dela estejam evitando falar. Ninguém leva a conversa a fundo, não se pergunta pra ela o que ela está pensando, porque todo mundo sabe o que se passa: não dá pra prever. Larissa não vai retomar o trabalho em junho, e nem em julho, e ela acha que nem depois, agosto, setembro ou outubro, porque... pra onde nós estamos indo? Como mandar um bebê pra creche em 2020, Rio de Janeiro, Brasil? Quem vai garantir desinfecção e distanciamento social em um berçário? E que bebê suporta um distanciamento social?


Caio agora terminou de mamar e ri no colo dela, porque é feito de pura satisfação. Não sabe de ontem, muito menos de amanhã, e nem lembra de ter acordado 4 vezes na noite passada. Ele tem ali tudo o que precisa, e Larissa, barriga roncando, faz força pra pensar que ela também. Será que eu consigo tomar meu café? Antes de ela passar a manteiga no pão torrado, ele já começou a resmungar no carrinho, e ela tenta conversar, canta uma musiquinha, improvisa um chocalho, desiste e engole o pão. A creche passa de novo pela cabeça dela, ela lembra que precisa lavar o cabelo, e que não devia acostumar Caio com tanto colo. Como é que eu vou tomar banho? O sol bate no chão da sala, e ela vai buscar no quarto a manta que usa de tapete pra ele se apoiar no chão. De novo, a creche: pois é, quem é louco de mandar criança pra creche? E quem é que pode simplesmente não mandar? De repente ali, bem diante dela, um metro quadrado de sol, puro privilégio.