E se eu me machucar?

Mi-pham via Unsplash

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Estávamos nos preparando para deixar o parquinho de areia depois de uma manhã de brincadeiras quando ouvi uma mãe dizendo para a filha, uma menina de 3 ou 4 anos que mexia na areia e parou os olhos num objeto estranho - uma pedrinha, um pedaço de brinquedo largado, um bichinho morto talvez… “Fulana, eu já falei, não põe a mão no que você não conhece!” A menina não pôs, e aquilo ficou na minha cabeça. A frase, tão humana e natural, tão forte, me soou estranho na mesma hora em que ouvi. Depois, pensando bem, senti uma forte identificação com aquela mãe e pensei: estamos no mesmo barco. Ela quer proteger a filha, e às vezes é difícil a medida entre a (super)proteção e o apoio, entre o cuidado e o encorajamento. Enquanto eu ainda pensava nisso, a moça repetiu a ideia, desta vez pra um menino um pouco maior que brincava no mesmo grupo e não era filho dela: “não coloca a mão no que você não sabe o que é, o que você não conhece é perigo!” Ele tinha achado “enterrada” na areia uma grande tampa de metal (que provavelmente dá acesso à instalação hidráulica do lugar) e estava descobrindo-a toda pra ser a pista do carrinho que ele tinha levado ao parque. Podia ser, mas não era perigo. E já pensou onde estaríamos nós se crescêssemos todos achando que precisamos nos afastar daquilo que a gente não conhece? 

Claro, crianças são nossa responsabilidade e é nosso dever evitar que, nesta de experimentar, elas enfiem os pés pelas mãos e se machuquem, e se machuquem muito. Mas se a curiosidade e o interesse pelo que a gente não conhece estão entre as bases do ser humano, se são o ponto de partida pro nosso crescimento e, inclusive, pro avanço da nossa sociedade, e isso é indiscutível, então a gente precisa encontrar outros modelos de proteção. Que tipo de desenvolvimento teria uma criança que só se sentisse segura diante do que ela já sabe o que é, ou do que a mãe (ou pai, ou tia) dela lhe apresentou? Parece mais seguro agora, mas como seria o desempenho dela, intelectual e emocionalmente, daqui a uns 15 ou 20 anos, quando ela precisasse definitivamente enfrentar o mundão daí de fora? O que eu estaria fazendo nesta altura da minha vida se eu tivesse seguido somente por caminhos que eu já conheço, se não tivesse me aproximado daquele objeto estranho que até parecia um monstro, mas que na verdade era só uma pedrinha, só um obstáculo que eu precisava vencer?

Meu menino anda caindo demais. Quase todo dia. A gente andou até brincando com isso, porque ele vem acumulando ralados no joelho e no relato da escola está quase sempre presente o aviso: levou um tombinho. Teve um dia que o tombinho foi um pouco mais caprichado, e ele cansou. Me disse na porta da sala, enquanto me mostrava o novo machucado e já sofria com a ardência que ia sentir mais tarde, na hora de tomar banho: “Já tenho uma solução, mãe. Nunca mais vou correr!” Ele disse isso com leveza, eu ri, mas fiz questão de esclarecer: “pode parar com isso. Criança corre, e corre muito. Já pensou que triste uma criança que não quer correr?” “Mas e se eu machucar?” “Se você se machucar a gente vai cuidar, você pode querer chorar um pouquinho, mas depois vai passar e você vai continuar correndo com sua velocidade máxima de herói, ué”. Ele sorriu. No dia seguinte, cuidei de colocar um tênis diferente, que talvez desse mais estabilidade, mas ele caiu de novo, e me pediu pra lavar com água fria. “É porque dói menos. Tá, mãe?”

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