Obrigado, vovô!

Sentada ao lado do leito do meu sogro, em uma de suas muitas tardes no quarto do hospital, fiquei pensando no que eu gostaria que ficasse. Diante da evidência de que tínhamos tido muito pouco tempo para construir memórias, fiquei pensando no que eu gostaria que meus filhos soubessem e no que nós todos tínhamos a aprender naqueles dias. Agora, talvez pela primeira vez na vida, eles sentiriam falta de algo que eu, em hipótese alguma, posso devolver. E o que faz um avô na vida de uma criança, especialmente os avôs destas décadas mais recentes, não é pouca coisa.

Ele te deu seu pai, meu amor. Sem o vovô, o papai não seria quem é, e vocês, meus filhos, não veriam nada do que veem, não ririam as risadas que riem e nem teriam a oportunidade que têm, aqui, de crescer neste mundo tão cheio de desafios. Um dia vocês vão entender isso. Vovô foi embora e deixou pra vocês a mais incrível ferramenta que poderia deixar: vocês, e esse mundão aí fora.

É bem provável também que, se não fosse o vovô, vocês não falassem essas centenas de palavras e frases que dizem a cada minuto - estou desenvolvendo uma tese de que a tagarelice é genética. Vovô era um contador de histórias. Não exatamente aquelas de joãozinho e maria, ou dos três porquinhos, mas histórias de uma vida inteira. Em umas a gente acreditava piamente, de outras a gente desconfiava com carinho.

Tenho uma história sobre o vovô: um dia, em determinado momento da vida, quando ele já tinha cuidado do papai e do titio, e já tinha trabalhado muito, ele recebeu um desafio muuuito grande. E ele enfrentou o desafio gigante dele com tanta vontade, com tanto otimismo, que fazia até parecer que não era tão grande assim. Mas era enorme. E aí, de tão grande que era o desafio dele, todo mundo que estava perto foi se sentindo desafiado também. Junto com o vovô, aprendemos outras formas de ver o mundo, outro jeito de lidar com os problemas pequenos que aparecem todos os dias, e também um novo jeito de cuidar de vocês. Tudo ficou diferente, de repente.

Vovô não era muito bom com fraldas, mas sabia muito bem fazer rir. Eu me lembro do som gostoso de risada de criança quando ele fazia careta lá do outro lado da mesa. Era esse o som do encontro de vocês.

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- Mãe, reza pro papai do céu cuidar do vovô - o menino pediu, numa noite dessas.
- Rezo, mas você também pode rezar, do seu jeito.
- Tá. Papai do céu, cuida do meu vô aí pra ele chegar muito bem no meu coração. Eu vou sentir saudades dele, mas aí ele vai estar bem, aqui, no meu coração.

 

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